terça-feira, 21 de outubro de 2014

VOCÊS, SEUS LOUCOS!


Como sabemos se estamos loucos?
Minha mãe tem um passarinho na gaiola. Ela não parece louca, mas quem, em sã consciência, faria isso se não estivesse louco?

Estou indo almoçar com meu pai. Preciso pegar um ônibus, uma barca e outro ônibus. Eu demoro quase 4 horas pra chegar no trabalho dele. Provavelmente almoçaremos em 20 minutos e trocaremos 40 minutos de conversa rasa. Depois ele vai me perguntar se eu quero escovar os dentes com a sua escova, mas eu aprendi a levar a minha.
Além do mais, isso é anti-higiênico.

A gente se ama, mas é complicado se aprofundar muito nas histórias de nossas vidas, então logo eu vejo que ele precisa voltar ao trabalho e eu preciso voltar pra algum lugar.
Tudo bem. De verdade.

Ainda estou caminhando pelas ruas do Rio de Janeiro pra pegar os transportes necessários pra chegar até o meu pai.

Quando estou caminhando, reflito muito sobre coisas aleatórias. Geralmente sobre sanidade mental. Tenho sempre dúvidas se posso me considerar uma deles ou não.

Acabei de passar na Praça XV e minha experiência foi a seguinte:
caos, destroços e máquinas de um lado. A cidade está em obras, esse ano teremos eleições e uma copa do mundo, precisamos de aparências...
Do outro lado temos um grupo peruano tocando flautas numa melodia triste, acho que era alguma música do Julio Iglesias versão instrumental, não sei direito.
Ainda, espalhados pela praça, haviam alguns pombos comendo migalhas de pipoca doce, um pipoqueiro que não se aguentava mais em pé de tão velho e cansado, uma banca de jornal que vendia chip de celular e Coca-Cola, menos jornal e, por fim, um rapaz de bermuda e regata de tela tentando entregar panfletos de uma senhora que promete trazer o amor em 3 dias.

Com a metade do elevado que ainda falta ser demolido em cima da minha cabeça e a sentença de morte daqueles grafites pedindo para adicionar cor, eu olhava pras pessoas andando com pressa e só tive certeza de que estou completamente surtada nesse mundo.

Mas será que sou eu ou são eles?

Óbvio que eu tenho minhas dúvidas, afinal, se eu estou questionando, logo, eu estou pensando. Provavelmente o louco é quem não pensa sobre isso.

A barca apitou, mas não estou com pressa.
 Tudo parecia em câmera lenta ou era eu que ainda estava sonolenta por ter acordado cedo naquele dia para chegar à tempo do almoço com meu pai.
Comprei meu bilhete.
Quatro reais e setenta e cinco centavos por uma travessia de quinze minutos.
Vale a pena pela vista que temos lá da janela traseira. Quase sempre algum avião pousa ou decola do Aeroporto Santos Dumont quando zarpamos da Estação Praça XV.
Eles passam bem em cima da gente.
Fico sempre pedindo a Deus pra que eles acertem de raspão na barca.
Não quero que caia em cima, não quero morrer, mas imagina o desespero das pessoas. Alguns poderiam se machucar, só pra dar mais emoção. Eu sei nadar. Nem ligo mesmo se um dia acontecer. Eu poderia até morrer dias depois por ter uma crise de riso no meio do mar e acabar engolindo aquela água podre da baia de Guanabara.

Chego ao meu destino.
Praça Araribóia - Niterói.
Sempre olho para aquele índio e me questiono porquê ele olha tanto para o Rio de Janeiro. Acho que ele queria morar lá.
Pego outro ônibus. Lá se vão mais três reais.
Aqui a entrada do ônibus é pela porta de trás. Eu sempre me confundo e fico com raiva, odeio parecer estúpida. As pessoas de dentro do ônibus me olham como se eu fosse.
Pra variar estou dura e catando moedas. Mas vale a pena passar por isso pra ver meu pai. A gente quase não se vê. Falamos uma vez por semana ao telefone.
As perguntas dele são sempre as mesmas e as minhas respostas também.
Mas a gente se ama. De verdade.

Nunca sei direito onde desço.
As esquinas da ilha da Conceição são todas parecidas.
Todas tem sempre um boteco, uma pensão, uma padaria, uma casinha com quintal e uma portinha onde oferece serviços de manicure.
Pergunto ao motorista se pode me deixar no ponto da “azul e branco”.
É claro que ele sabe onde é. Ele me deixa lá.
Eu digo “obrigada querido, bom dia!”.
 Eu sou simpática, apesar de mal humorada.
Agora falta pouco, só mais cinco minutinhos de caminhada para ver meu pai.

A ilha da Conceição é um bairro da cidade de Niterói onde 80% do bairro é composto por oficinas de manutenção naval e estaleiros. Os outros 20% é boteco, pensão, padaria, casinha com quintal e uma portinha onde oferece serviços de manicure. E acredite, são os homens que estão lá na manicure, tirando graxa debaixo das unhas.
Ao andar por lá, é preciso sempre olhar pra baixo pra não tropeçar num homem de macacão sujo dormindo na calçada. O trânsito parece indiano. Pra um carro passar, o outro tem que parar, estacionam de qualquer jeito, em qualquer lugar, tem carros, peças e restos de navios nas ruas, parece o pequeno paraíso dos homens. O bairro cheira a óleo e maresia. Preciso andar rápido, me sinto em perigo só por ter nascido mulher. Será paranóia? Loucura de minha cabeça? Ou será que o mundo é tão cruel e pervertido que eu criei uma auto defesa? Não sei... mas eu ando rápido, cheguei ficar sem fôlego.

Encontro meu pai. Ele acabou de fazer 60 anos e começa a apresentar no seu rosto marcas de cansaço e tédio. Dou um abraço forte nele. Digo que estava com saudades. Ele com o diálogo aleatório igual ao de um taxista responde: “pois é, já tem o quê? Quatro meses que a gente não se vê? É... hoje o dia parecia que ia chover, mas fez sol. Você veio de barca?”.

Ele é um dos donos da empresa. Todos são simpáticos comigo. Me perguntam como vai a vida, fingem se importar comigo. Tudo bem. Somos seres humanos sociáveis. Respondo que vai bem, sempre sorrindo. Foda-se, ninguém precisa saber que eu estou na merda.

Cheguei pontualmente ao meio-dia. Vamos almoçar, pra variar, no restaurante de sempre. Muito simpático, ele convida o outro sócio da empresa para nos acompanhar no almoço, acabando com qualquer esperança que eu tinha de alguma conversa mais íntima sobre a vida.

Tudo bem.
Ele também não precisa saber dos meus problemas.

Vamos mantendo o papo aleatório e o sorriso forçado. Futebol, clima, eleições, copa do mundo... Sou toda ouvidos, tento participar do bate-papo. Tento ser filha da maneira que posso.
E na sua maneira de parecer interessado, meu pai pergunta o quê vou fazer mais tarde.
Bom, pai, mais tarde eu vou encontrar uma amiga lá no Rio, próximo da prefeitura.

Uma coisa irresistível que meu pai tem é o seu senso de humor carioca.

- Prefeitura? Ah... Lá no Piranhão?

Acho engraçado esse estilo dos cariocas. Quando falo carioca, me refiro a todos que aderem a esse estilo do Rio de Janeiro. Várias pessoas aderem, mesmo sendo de diferentes cidades, como Niterói, São Gonçalo, Nova Iguaçu, etc.  Bom, Arraial do Cabo não faz parte disso. Arraial do Cabo tem uma cultura só dela. Mas ainda não chegou a hora de falar sobre a cidade onde eu cresci.

Uma das coisas que compõem esse estilo carioca é o de dar apelido as coisas. Por exemplo, o prédio da prefeitura do Rio é conhecido como “Piranhão”. O apelido é porque antigamente naquele prédio funcionava um puteiro.
Olha que legal. O puteiro virou a prefeitura da cidade. Não é sensacional? Eu acho isso de grande valor cultural.
Logo ali do lado do “piranhão” tem o “balança, mas não cai”, outro prédio, que a qualquer momento cai mesmo e muita gente vai chorar e falar que a culpa é de Deus ou da copa.
Aguardo ansiosa por isso.
Acho legal quando acontecem desastres. Ninguém trabalha. Ficamos o dia inteiro com a TV ligada vendo a mesma notícia se repetir o dia inteiro. Quando ficamos cansados, vamos pra internet ler mais do mesmo que se passa na TV. E o mais divertido de tudo: ler as opiniões das pessoas nas redes sociais. Adoro ver como todos se consideram inteligentes ao ponto de achar que suas opiniões interessam. Eu leio por simples prazer de rir da cara do próximo e confirmar minha opinião de que o mundo só tem idiota. Ou serão loucos?

Estamos todos loucos, não é mesmo?
Queremos parecer algo que não somos. Entender de assuntos que não nos apetecem. Mas precisamos parecer. Se não, quem seremos?
Acho que a louca sou eu.

 - Bom, está na minha hora, pai. Preciso ir... vou encontrar minha amiga no “Piranhão”.

Olha que bonito isso. Uma filha falando pro pai que vai encontrar a amiga no piranhão.
É tão irônico que chega a ser uma sentença perfeita. É poético.

Meu pai pergunta se eu preciso de dinheiro pra ir embora. E mesmo precisando e catando as poucas moedas que me restam, eu digo que não. Tenho meu orgulho. Não sou mais adolescente.

E lá vou eu, novamente, pegar um ônibus, uma barca e mais dois ônibus.
Antes de partir, dou uma olhada pro Araribóia. Coitado. Eu pelo menos posso ir. Tchau, senhor índio! Até mais ver!
Vou para minha janela favorita e fico lá, admirando a vista, pedindo a Deus para bater o avião no topo da barca. Poxa Deus, não é para matar ninguém. Seja sádico, eu sei que você gosta de ser. Mas Ele ainda não me ouviu. Preciso melhorar minha conexão com O Cara.

Minha cabeça não para de pensar.

Hein? Que garota maluca...
Ou será que é o mundo que está me adoecendo?
Devo procurar um psicólogo? Acho que sou sociopata.
Ah, não! Esqueci que estou falida. Não posso pagar um psicólogo.
Tudo bem. De verdade.
Quando chegar em casa, posto um pedaço do meu pensamento na rede social.
O que essas pessoas desconhecidas acham de mim?
Devem achar que sou uma pessoa legal.
Ou louca.


Que se dane.